MULHER-HOMEM, da revista cômico-fantástica dos acontecimentos de 1885 A MULHER-HOMEM |
CARIOCA |
Publicada por Buschmann e Guimarães, c. 1886, integrou a revista cômico-fantástica dos acontecimentos de 1885, em 1 prólogo, 3 atos e 11 quadros, escrita por Valentim Magalhães (1859-1903) & Filinto de Almeida (1857-1945), representada no Teatro Santana em janeiro de 1886. Chiquinha havia estreado como maestrina no ano anterior, assinando a música original de duas peças, A corte na roça e A filha do Guedes. Na revista A mulher homem ela participava ao lado dos compositores Henrique Alves de Mesquita, Carlos Cavalier, Miguel Cardoso e Henrique Magalhães. O título referia-se a um escândalo ocorrido na cidade com um homem que se empregara como ‘doméstica’ vestido de mulher. No mesmo mês, foi colocada em cartaz no Teatro Lucinda uma revista da outra “firma literária”, Artur Azevedo & Moreira Sampaio, O bilontra. O sucesso das duas fez com que em março subisse no Teatro Príncipe Imperial a revista das revistas: O casamento do bilontra com a mulher-homem, considerada uma “comédia para homens”. O teatro de revista começava a se firmar no gosto popular e Chiquinha Gonzaga se firmaria nos anos seguintes como a compositora de grandes sucessos do teatro musicado da Praça Tiradentes. A polca Mulher homem foi gravada por Rosária Gatti (piano) e Grupo Nosso Choro, em 1997.
Alma Brasileira. Breve apresentação
Uma curiosidade com relação à obra impressa de Chiquinha Gonzaga é o conjunto de choros publicado ainda em vida da compositora. Trata-se de um grupo de composições para saxofone e para flauta – reunidas sob o título Alma Brasileira –publicado em 1932, pelo companheiro da compositora, João Batista Gonzaga.
O conjunto compreende três volumes, chamados ‘séries’, contendo dez peças cada, num total de 30 músicas, sendo 20 para sax e dez para flauta. O mais curioso é a designação choro para essas músicas impressas, uma vez que elas foram antes concebidas, e algumas até publicadas, para piano, como ‘polcas’, ‘habaneras’ e ‘tangos’. Por que somente na década de 1930 uma compositora que estreou em 1877, e que sempre fora ligada às rodas de choro, atuando inclusive como pianista do conjunto Choro Carioca, liderado pelo compositor e flautista Joaquim Antonio Callado, usaria pela primeira vez a designação choro em sua obra impressa? Por que não antes?
Sabemos que a palavra choro designou, na década de 1870, o conjunto musical Choro Carioca, liderado pelo citado flautista Callado e, por extensão, os conjuntos instrumentais responsáveis pelo abrasileiramento das técnicas de execução dos instrumentos europeus. Em sua formação original, o choro era um grupo musical constituído de uma flauta, um cavaquinho e dois violões, com predominância de um solista.
Na primeira década do século XX, encontramos o vocábulo nomeando bailes populares animados pelo característico agrupamento musical. Um exemplo interessante está nos versos de ‘Coplas de Pedrinho’, da peça de costumes cariocas Não venhas!…, musicada pela maestrina. Forrobodó, por exemplo, a famosa burleta de Chiquinha Gonzaga, Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt, é caso típico de um choro no bairro da Cidade Nova. A ação da peça se desenrola em torno de um baile no grêmio recreativo familiar dançante Flor do Castigo do Corpo da Cidade Nova. Somente mais tarde, o original estilo interpretativo dos gêneros musicais importados tornou-se ele próprio um gênero.
O momento exato em que isso ocorreu, a pesquisa histórica ainda não precisou, mas os estudos do professor e pianista Marcelo Verzoni, para sua tese de doutorado sobre os primórdios do choro, conferem um papel de divisor de águas à série Alma Brasileirade Chiquinha Gonzaga. Verzoni observou que o emprego da designação choro foi um hábito muito posterior à época em que a compositora construiu o corpus da sua obra, e que as peças que mais tarde passaram a ser chamadas de choro aparecem no século XIX como polcas, tangos ou habaneras. Tomando como parâmetro as edições de Alma Brasileira feitas por João Batista Gonzaga, realizadas e comercializadas com a concordância da compositora, Marcelo Verzoni toma o ano de 1932 como data oficial do início de uma aceitação do hábito de se chamarem “choros” peças de Chiquinha Gonzaga outrora concebidas como polcas, habaneras e tangos.
Observamos que nas 30 partituras para flauta e para saxofone, os gêneros são designados simplesmente de choros e valsas (exceção para três rancheiras, duas delas, originalmente, mazurcas). As partituras manuscritas para piano que acompanham a primeira série (para saxofone) ainda trazem os gêneros originais; polca, tango, habanera, valsa e até um pas-de-quatre. Da segunda série até o fim, nas partituras manuscritas para piano, a regra já é a ‘hifenização’ dos gêneros, com a origem exposta do mesmo, mas camuflada: polca-choro, tango-choro, habanera-choro, valsa-choro.
Outra curiosidade é a predileção da maestrina em dar nomes indígenas aos seus “choros”: Tupã, Tupi, Tamoio, Tupiniquins, Carioca, Arariboia, Aguará, Caobimpará, Angá-catú-rama, Ary, Aracê, Timbira, Tapuia, Angá, Carijó, Paraguaçu, Cecy, Guaianases, Cariri – como a acentuar o caráter nativo do gênero.